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O imigrante

Por Silvio Cayua


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Óh, minha vida…!

Me fale, me diga, me explique sorrindo

o que estou sentindo:

É prêmio ou castigo estar resistindo a tantas agruras

aqui no sertão?

Um dia cheguei – mas não pra ficar.

De tudo o que vi, surpreso fiquei, comigo pensei

e me questionei:

por que me joguei para as bandas de cá?

Nos primeiros dias, sozinho, isolado – qual um exilado –

andava, olhava, me admirava e me perguntava:

como é que essa gente, com tanta carência

tinha resistência e força na mente

pra seguir em frente, se tanto sofria…?

O tempo passava, eu permanecia.

Por aqui eu fui ficando, fui vivendo, fui gostando,

fui até me acostumando…

Acabei foi transformando tudo aquilo que eu sabia.

Pra me adaptar me pus a indagar:

Eu vou resistir…?

O que vou fazer?

O que posso comer?

E o que devo beber…?

De tudo aprendi do povo daqui…

E então meu destino me fez nordestino.

Me fiz sertanejo e hoje me vejo

falando rasteiro, sotaque brejeiro,

dizendo “sordade” ao invés de saudade…

Morando no campo – fugi da cidade…

E cantarolando cantigas de dor,

vou sempre exaltando o sertão sofredor.

Nas noites de lua me ponho a cantar

antigas lembranças de um outro lugar.

E o meu violão, há muito comigo, me dá uma canção

de um tempo perdido.

Com águas nos olhos, de gozo ou de dor,

eu canto baixinho, para disfarçar as dores que brotam

desse meu cantar.

Na adaptaçãopra sobreviver,

aprendi a lição:

que após uma seca as chuvas virão.

Mas se não chover faço uma oração

pra que eu não perca a minha plantação.

Quando é invernada, na minha varanda

me deito na rede.

Não sofro de sede, o mato está verde…!

A boia é tanta que o meu galo canta

e até a passarada me faz revoada.

Vejo o descampado mudando de cor.

O bege sumiu, o verde chegou…!

As urzes mudando e folhas criando…!

Olhando de lado pro brejo alagado,

eu vejo meu gado que ao sol resistiu

e no inverno emergiu.

E o sobrevivente de todas as secas, o mandacaru,

planta resistente que olha pra gente

com ar imponente qual gente do sul,

vai reflorescendo um copo de leite –

o mais belo enfeite com a força de quem

jamais se abateu… E a todos dizendo

que sobreviveu. O vento do norte

me traz às narinas um cheiro de mato que seco ficou,

que, a chuva, molhou, que quase morreu…!

Contudo, venceu a seca ferina. Por tudo o que sinto,

que vivo e que vejo, me veio o desejo

de não mais voltar a perambular.

Se aqui não ficar, aproveito o ensejo

pra a todos falar que ser sertanejo

se fez meu desejo. Quando a morte chegar,

daqui me arrancar e me transportar

pra um outro lugar, não quero tristeza –

ninguém a chorar nem a comentar

o pouco que fiz. ó quero que lembrem de um cara feliz

que muito vagou, mas aqui ficou

porque aqui encontrou o que sempre buscou.


Silvio Cayua

 
 
 

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